Matéria publicada na revista Parcerias do Bem, ed.abril/2009
Texto: Soraya Pericoco
Parcerias do Bem – Existem várias leituras da mulher moderna num contexto bem humorado, como o seriado “Sexy and the city”, o filme “O Diário de Bridget Jones”, e agora a sua peça. Você acha que a mulher moderna tem esse bom humor?
Marília Gabriela – Acho que estão mais abertas para o humor. Mas acho muito difícil classificar as mulheres a partir de uma observação dessas. Você mencionou um filme de muito sucesso, um seriado que é uma graça luxuosa, e foi veiculado em tevê a cabo, e o meu espetáculo. A gente está falando de pessoas que podem consumir esse tipo de humor. Acho muito difícil para uma mulher que acorda muito cedo, tem filhos para criar, lida com problemas diários, trabalha, paga contas, lida com problemas com o marido, ex-marido, ou com não-marido, encontrar o humor. A não ser no carnaval…
PB – Ou abrindo uma cerveja… A peça sugere “tomar um uísque ao invés de praticar um massacre”…
MG – Exatamente.
Continua…
MG– Mas é claro que as possibilidades de nos divertirmos aumentaram muito com a nossa colocação e com a abertura que conquistamos. Até a algum tempo atrás não ficava bem a mulher rir alto em público. Uma repressão mesmo. Uma mulher que abrisse a porta do próprio carro era uma infratora, vamos dizer. Papéis foram quebrados. Um padrão, que hoje em dia foi corrigido. Mas eu acho que ainda é mais fácil a gente rir da nossa própria situação, do que quem de fato encara uma barra, como a maioria da população.
PB – E com todo o avanço que conquistamos ainda queremos encontrar o amor?
MG – A gente quer o amor precisando tomar cuidado com uma coisa chamada paixão. Principalmente depois que eu trabalhei com o grupo de mulheres para o livro, “Mulheres Que Amam Demais”, eu vejo quanto equivocados a gente é. Todos nós, homens e mulheres, vivemos equivocados. Confundimos sentimentos e o denominamos de amor. Paixão não tem nada a ver com amor, é uma coisa sexual, ela se baseia e se alimenta no sofrimento. Ela só existe a partir da adversidade. Amor é uma coisa agradável, que você continua inteligente, fica confortável, tem alegria, compartilha, convive. E na paixão não. Então é preciso tomar cuidado quando as pessoas dizem que ainda querem amor. Se não estão confundindo com aquele arrebatamento que não configura o amor. Mas a gente acha que é. Amar é uma coisa maravilhosa, mas a gente tem que prestar atenção para não confundir sentimento. Ser vítima de ciúme, ou provocar ciúme não configura amor. A gente pode estar vivendo baixa autoestima, carência afetiva ou insegurança. Você pode ter amor com seus amigos, você tem amor com seus familiares. Esse amor de afeto, de troca e de intimidade, é uma benção. Isso sim a gente tem que se permitir e querer.
PB – A peça “Aquela mulher” fala em não haver mais final feliz. Existem intervalos. Você concorda com esse pensamento?
MG – Acho que existe a expectativa do. O final feliz é aquele que não termina. Mas toda relação que a gente inicia, tem que ser com esse espírito de para sempre, porque senão ela vai deixar de ser aproveitada no que tem de melhor, que é o romance, o prazer, a alegria. Se eu já souber de antemão que vai acabar, e não necessariamente com final feliz, eu posso estragar uma relação que pode ser muito boa. Acho que nós todos devemos entrar achando que desta vez é para sempre. A gente já entra com essa alegria, e alimenta com essa energia positiva, viva, ativa, alegre. Acho que por aí.
PB – Como você vê a questão da traição?
MG – Quando alguém trai está traindo um princípio particular. A traição para mim não reside no ato sexual em si, senão na intimidade que ele traz, e onde você é a terceira pessoa, e não está participando. Você é citado naquilo, você é analisado, mas não sabe. Para mim a grande traição é isso. Você trocar o foco da sua amizade maior, da sua dedicação maior, do seu respeito, da sua comunicação e interação, por uma coisa que talvez seja só sexo, que vai ser passageiro. A traição não é sexual, eu acho. É quando você expõe uma terceira pessoa que não tem nada a ver com aquilo.
PB – Existe homem certo e homem errado?
MG – O meu homem certo sou eu mesma, assim como imagino que seja o seu. Mas é difícil concluir isso. Assim como as mulheres certas para cada homem estão dentro deles. A gente tem o nosso desenho dentro da gente. Meu homem ideal está aqui dentro da minha cabeça. Agora existem homens com quem a gente se dá melhor. Eu não acredito em diferenças, as pessoas dizem que gente é atraído pela diferença, mas não acredito que seja isso que faz uma boa relação. Acho que o que faz uma bela relação são as identificações. A mesma linguagem, o mesmo viajar, o mesmo estar bem. Mas o nosso homem certo somos nós mesmos.
PB – A Marília Gabriela também não se queixa?
MG – Eu não me queixo (rs). Aliás, essa foi a minha primeira encomenda, meu primeiro pedido ao Agualusa. Disse: eu quero que você inicie a peça com a frase “Eu não me queixo”, porque essa seria a frase com a qual eu começaria o meu livro de memórias, se um dia eu o escrevesse. Mas como eu nunca vou escrevê-lo, gostaria que você colocasse na minha boca essa frase. E ele fez. E eu realmente não me queixo.
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