O coração de Rio Preto

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Matéria publicada na revista Parcerias do Bem, ed.setembro/2007
Texto: Lelé Arantes

Braile_PB (4)Parafraseando Paulo Coelho, que diz escrever “de algum lugar dos Pirineus”, poderíamos dizer que em algum lugar do mundo alguém tem em seu coração, de uma forma ou de outra, a mão do Dr. Domingo Marcolino Braile. Na Rússia, na China, no Canadá… alguém pode estar, nesse momento, com um instrumento cirúrgico fabricado em São José do Rio Preto que assegura as batidas do seu coração e o bombeamento do seu sangue pelo corpo.

            Vão longe os dias em que o jovem recém-formado Domingo Braile, ou, o “Domingão”, como se refere a ele o Dr. Neon de Mello e Oliveira, seu amigo de longa data, sonhava em salvar pessoas por meio de cirurgias do coração, à moda do seu mentor Euríclides de Jesus Zerbini. Nascido em Nova Aliança, em 1938, filho de Lino Braile, médico italiano formado pela Real Universidade de Nápoles, Domingo é um workaholic da cirurgia cardíaca com mais de 25 mil operações em 45 anos de atividade profissional.

            São números estonteantes para quem dá aula em três faculdades brasileiras (Famerp, Unicamp e USP) e uma estrangeira, a Universidade de Guiyang, no sul da China, ministra palestras, orienta pós-graduandos, escreve artigos para mais duas dezenas de revistas científicas, edita a RBCCV (Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular/Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery) e ainda encontra tempo para escrever para um dos jornais da terra, o Bom Dia, participar do cotidiano e presidir a Braile Biomédica, empresa que ele idealizou e hoje emprega 530 pessoas, e o Instituto Domingo Braile.

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Fazer mais de 25 mil cirurgias é equivalente a uma e meia cirurgia por dia sem contar sábados, domingos e feriados. O difícil é acreditar que em 1963, ele e Gilberto Lopes da Silva Junior, que eram cirurgiões, juntaram uma equipe para estudar e fazer experimentos de procedimento cardíaco. Fizeram parte do grupo o otorrinolaringologista Neon de Mello e Oliveira, o cardiologista Cervantes Ângulo, o anestesista Amadeu Menezes Lorga, o psiquiatra Silvio Macedo e o enfermeiro Belmiro Trigo. Esse grupo, munido de algumas peças trazidas do Hospital de Clínicas, de São Paulo, com o auxílio do serralheiro e ferreiro Domingos Grisi, construiu a primeira máquina de circulação extra-corpórea para levar a efeito cirurgias cardíacas experimentais em cachorros. O grupo se reunia aos sábados, no Hospital Santa Helena, praticando e experimentando, até que foi feita a primeira cirurgia num ser humano, iniciando-se um longo caminho de sucesso.

            Hoje, a Braile Biomédica exporta produtos para cirurgias cardiovasculares para várias partes do mundo. O coração mundial pulsa naquele conjunto de tijolos de cerâmica vermelha, especialmente no quinto andar, onde Domingo Braile despacha, escreve, sonha, age e recebe, todo mês, de oito a dez grupos de visitantes. São cardiologistas, cirurgiões cardiovasculares, cientistas, engenheiros, diretores de multinacionais, pesquisadores de diversas áreas vindos de vários pontos do planeta, de Cuba à Austrália, da Venezuela à Rússia, passando pelo Chile, Itália, França, Angola, Costa do Marfim… Eles vêm conhecer as instalações, a tecnologia, os produtos e principalmente, conhecer o gênio que criou tudo isso numa cidade do interior, fora do eixo Rio-São Paulo.

Domingo Braile tem orgulho de suas raízes, de ser homem do interior. Gosta de cultivar seus amigos e por isso, é possível encontrá-lo numa pizzaria, ou num restaurante de Rio Preto, rodeado de colegas e conversando com a mesma naturalidade com que dialoga com cientistas e médicos da China, Japão, Rússia ou Estados Unidos.

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Faz parte de suas preocupações atuais ajudar a Famerp, faculdade que ajudou a fundar na década de 60, a encontrar seu caminho junto ao governo estadual, enquanto luta para elevar o nível da pós-graduação, que já tem nota 4 do Capes, mas ele sonha com a nota 5, que é a máxima que a Famerp pode alcançar no atual estádio. Braile já participou como membro titular de 202 teses e concursos, orientou 22 teses e esteve presente na formação de mais de 200 residentes.

            Com tamanho fôlego para o trabalho, com essa enorme carga de responsabilidades, a pergunta para Domingo Braile não poderia ser outra: “O Sr. tem tempo para fazer tudo isso?”. Ele, com sorriso maroto no semblante, como um jovem de trinta anos, responde com tranqüilidade: “não”. Não encontra tempo, mas faz as coisas acontecerem. Perguntado sobre o stress provocado pela carga de trabalho e lá vem outra daquelas respostas surpreendentes: “O trabalho não mata ninguém, o que mata é a raiva”. Braile se declara estressado, mas diz que não morrerá do coração.

Conversador de mancheia, dono de uma cultura vastíssima e de conhecimentos variados, Domingo Braile não deixa vicejar ao seu lado a mesmice e a burrice. Seus assuntos passeiam da política à energia nuclear, sem ficarem presos ao lugar comum da profissão. Gente desatualizada não fica perto dele, sai de mansinho. Analisa Edinho Araújo com a mesma seriedade com que analisa Lula, FHC, Bush ou Chavez.

            Depois de quase três horas de conversa, enquanto noutra sala o aguarda um grupo de visitantes argentinos, Braile afirma, categoricamente, que “tudo o que passa pela imaginação do homem pode ser realizado”, indicando as ideias descritas nos romances de Julio Verne, nos estudos de Leonardo da Vinci ou nos gibis de “Flash Gordon” e afirma: “é Flash mesmo, não é flésh não”. Ao falar sobre energia nuclear, ele comenta a luta do Irã e da Coréia do Norte, e diz que o Brasil perdeu muito ao abandonar seu programa nuclear, afirmando que a energia nuclear é limpa e necessária.

            Não dá para falar de coração sem falar com Domingo Braile e falar com ele é falar com o coração do mundo. Agora ele se prepara para inaugurar um moderno centro cirúrgico experimental, com toda a tecnologia disponível, sem esquecer aqueles modestos experimentos feitos com os amigos aos sábados, há exatos 44 anos, para continuar salvando gente em algum lugar do planeta.

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